segunda-feira, 20 de maio de 2019

POR VOLTA DA MEIA NOITE, O Cinema na Música


Um filme as vezes transcende sua própria função imagética quando faz de outra arte sua razão de ser. Explico, ou melhor, explícito isso falando de um filme, POR VOLTA DA MEIA NOITE, porque este é um filme que exala música. Um filme pelo qual a música envolve a quem vê e toma, praticamente, todos os sentidos do espectador. Não, não é um musical daqueles que a musica explode nos ouvidos do espectador, contando uma história, ou simplesmente acompanhando belas e alegres imagens ou cenários. POR VOLTA DA MEIA NOITE envolve de uma maneira diferente, colocando o espectador dentro do ambiente musical, não só quando ali escutamos alguns daqueles maravilhosos solos do saxman Dexter Gordon ou quando a divina Lonette McKee canta How Long Has This Been Going, de Gershwin, mas em qualquer cena do filme; De um simples dialogo até as melancólicas paisagens de Paris e Nova Iorque dos anos 50, tudo exala musica. POR VOLTA DA MEIA NOITE(‘Round Midnignt/1986) é uma homenagem, feita por fã, o diretor francês Bertrand Tavernier, a tantas lendas do jazz que povoaram os ambientes enfumaçados das boates de Nova Iorque ou Paris, principalmente nos anos 50 e 60. Músicos fenomenais como Louis Armstrong, Miles Davis, John Coltrane, Duke Ellington ou Chet Baker. Homens tão imersos em sua arte que, muitas vezes, pagaram um preço alto por essa imersão. Mas o filme não é baseado em uma história real. Apesar de que algumas fontes dizem que ele é inspirado nas vidas de Bud Powell(1924/1966) e Lester Young(1909/1959); E, realmente, o diretor Bertrand Tavernier, dedica aos dois o filme. É a história de Dale Turner, um talentoso saxofonista negro dos anos 50, que lentamente está perdendo a guerra para o álcool e as drogas. Nesse contexto ele tem uma oferta prá ir tocar em Paris, que já abriga muitos músicos negros, porque ali eles são respeitados pelo seu talento, independente da cor de sua pele. Vale aqui um aparte de minha parte: esse filme conta a história de um personagem fictício, mas todo o contexto em que ele transcorre é, com certeza baseado em uma história real. Não tenho a menor dúvida quanto a isso.


Voltando ao filme, Dale vai para Paris e entre sua musica fantástica e bebedeiras hospitalares surge em sua vida Francis, um publicitário e cineasta amador, fã incondicional de sua música –com certeza, um alter ego do diretor Tavernier – que toma para si a responsabilidade de salvar Dale e sua música. É sensível a dedicação que Francis se impõe nessa tarefa e a paixão que ele tem pela música de Dale Turner levando o velho saxofonista a uma transformação visceral. Um dos achados do filme é colocar outra lenda do Jazz, o saxofonista Dexter Gordon(1923/1990) no papel de Dale Turner. Dexter, um dos grandes nomes do jazz, teve uma trajetória semelhante a seu personagem no filme; Fez grande sucesso nos anos 50 acompanhando grandes do Jazz como Lionel Hampton, Louis Armstrong, Billy Eckstine e outros; Mas foi só nos anos 60, depois de deixar o vicio, que atingiu seu ápice musical. Muito popular na Europa, viveu lá durante os anos 60 e 70. Consagrado voltou para a América. Apesar de ter algumas figurações em filmes, POR VOLTA DA MEIA NOITE é seu único trabalho como protagonista. E, é claro, fica evidente toda a relação do filme com sua trajetória de vida. Mesmo para o espectador do filme a interpretação que Dexter dá ao personagem, trejeitos, caras e bocas remetem, naturalmente, mesmo para os que não conhecem, a ele próprio. Ele chegou a ser indicado ao Oscar e ao Globo de Ouro, por esse trabalho. A magnifica trilha sonora de POR VOLTA DA MEIA NOITE, composta por Herbie Hancock, foi premiada com o Oscar e não poderia ser diferente por tudo já escrevi lá no inicio da matéria. Hancock, aliás, também está no filme como ator, bem como Martin Scorsese, que aparece como o generoso e tagarela agenciador de Dale, em sua volta a Nova Iorque. Infelizmente, POR VOLTA DA MEIA NOITE, é um filme esquecido. Melancólico, terno e belo em sua profundidade, é um filme que dificilmente vai fazer parte da programação televisiva e raramente vai aparecer em mostras revisionistas, a não aquelas dedicadas exclusivamente ao jazz. No entanto, vale assisti-lo e se deixar envolver pela sua musica. Musica de uma era de grandes gênios que eram muito pouco valorizados e que, quase sempre, eram vencidos pelo vício e pela decadência.

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